Por Arthur Virmond de Lacerda Neto
Para a Revista Lado A
Intitulado “A origem e o desenvolvimento das idéias morais” o volumoso tratado de Eduardo Westermarck, publicado em dois volumes, em Paris, em 1928, inédito em Português. Professor de sociologia na Universidade de Londres, analisou ele algumas manifestações do comportamento humano, em inúmeras culturas e povos, no passado e no presente, em que encontrou semelhanças e dissemelhanças, demonstração de que as idéias morais constituem-se culturalmente, como produtos de cada porção da Humanidade, e decorrem, como lembrava Augusto Comte, da natureza humana, ou seja, da humanidade comum a todos os homens. Um dos capítulos do livro intitula-se “O amor homossexual”, que passo a traduzir:
A satisfação do instinto sexual assume formas que não entram no quadro ordinário da natureza. Há uma que, dentre outras, em razão do papel que desempenhou na história moral da humanidade, não devera ser omitida: é o comércio entre indivíduos do mesmo sexo, hoje conhecido pelo nome de homossexualidade.
Encontra-se frequentemente entre os animais. Ele se apresenta, sem dúvida, pelo menos esporadicamente, em todas as raças humanas. Em certos povos, assumiu a envergadura de um verdadeiro hábito nacional.
Na América, observaram-se costumes homossexuais em um grande número de tribos indígenas. Parece que houve, quase por toda a parte no continente, desde os tempos antigos,homens vestidos de mulher,que cumpriam as funções femininas e que viviam com outros homens, como as suas concubinas ou como as suas mulheres. Assinala-se, além disto, entre homens jovens companheiros de armas, ligações de amizade que, segundo Lafitau, “não permitem nenhuma suspeita aparente de vício, embora haja ou possa haver, muito vício real”.
A homossexualidade acha-se espalhadíssima ou assim se achou, entre os povos que habitam as regiões costeiras do mar de Behring. Em Kadiak era uso, quando se tinha um filho com trejeitos femininos, de vesti-lo como mulher e de educá-lo como tal; ensinavam-se-lhe apenas os trabalhos domésticos, davam-se-lhe por ocupações apenas as tarefas das mulheres e apenas mulheres ou meninas por camaradas. Com a idade de dez ou quinze anos, eram casados com algum homem rico e ele recebia, então, a alcunha de “achnuchik” ou “shoopan”. Havia a mesma prática entre os Tchouktchis, segundo o relato do dr. Bogoraz; ei-lo: “Ocorre frequentemente, que, sob a influência sobrenatural de um “chamão”, ou sacerdote, um jovem tchouktchi de dezesseis anos abandona, de súbito, o seu sexo, e acredita ser uma mulher. Ele adota uma farpela feminina, deixa crescer os cabelos, dedica-se inteiramente a ocupações de mulher. Indo mais longe, este difamador do seu sexo toma um marido nos “yurt” e assume todas as tarefas que, normalmente, incumbem à esposa, impondo-se, a si próprio, uma servidão voluntária, a mais contrária do mundo à natureza. Acontece assim, freqüentissimamente, que em um “yurt”, o marido seja uma mulher, e mulher, um homem! Estas trocas anormais de sexo levam à imoralidade mais abjeta na comunidade(1) e parecem ser fortemente encorajados pelos “chamãos”, que interpretam casos deste gênero como determinações da sua divindade particular”. Tal mudança de sexo acontecia, amiúde, paralelamente com a perspectiva de se tornar “chamão”; de fato, a maior parte dos “chamãos” havia-a realizado, outrora. Ainda se encontra, correntemente, entre os tchouktchis, “chamãos” masculinos vestidos de mulher e que passam por haverem, fisicamente, transformado em mulheres; muitas outras tribos siberianas conservam vestígios de uma crença idêntica. Em certos casos, pelo menos, é induvidoso que estas “transformações” hajam sido acompanhadas de práticas homossexuais. Na sua descrição dos koriaks, Krasheninnikoff fala dos “ke`yev” ou homems que desempenhavam funções de concubinas; ele compara-os com os “koe`-kcuc” do Kamtschatka, ou homens que se transformaram em mulheres. Todo” koe´-kcuc”, diz ele, é considerado mágico e intérprete dos senhos; contudo, a sua descrição confusa permitiu que Jochelson cogitasse de que o traço mais importante da instituição dos “koe´-kcuc” residira menos no seu poder “chamanístico” do que na sua capacidade de satisfazer os desejos contra a natureza dos kamtchadales. Os “koe´-kcuc” vestiam fatiotas de mulher, efetuavam tarefas de mulher e ocupavam a posição de mulheres ou de concubinas. (Prosseguirá).
1 - Bem entendido que o autor citado (Bogaraz) julga segundo os seus padrões de moralidade, vale dizer, os cristãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário