segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Espanhola é primeira lésbica a pedir indenização por repressão franquista


 
Publicado pelo Extra
Com informações do El País
 
A vida lhe passou uma segunda rasteira. Por isso, para M.C.D. - a primeira dentre as mulheres homossexuais reprimidas pelo regime do ex-ditador espanhol Francisco Franco a pedir indenização -, é quase um dever moral conceder entrevistas aos meios de comunicação. No entanto, ela o faz a contragosto e com reservas: nem seu nome nem a cidade onde vive podem ser publicados.
 
A exigência não se deve somente às sequelas deixadas pelo trauma que viveu (a moça, por ser homossexual, foi detida aos 16 anos, posta em liberdade condicional e julgada aos 17). M.C.D. também leva em conta o fato de que, em sua cidade, sobre a qual não dá nenhum detalhe, as vidas dela e de sua parceira não andam fáceis ultimamente. “A homofobia ainda existe”, afirmou Antoni Ruiz, presidente da Associação de Ex-Presos Sociais, que presta auxílio jurídico à M.C.D. em seu pedido de indenização. A mulher conta sua história de maneira abreviada e relutante.
 
- Não me lembro nem quando nem onde estava quando fui detida. Um grupo de policiais à paisana se aproximou, e pronto - contou. - Passei toda a minha vida tentando esquecer disso, tentando superar o trauma.
 
M.C.D. também não sabe porque foi presa: se alguém a denunciou ou se seu comportamento, na hora, foi considerado suspeito pelos policiais. Lembra-se, somente, de que tinha “17 anos, idade em que o indivíduo ainda não é considerado adulto”, e que foi submetida “a um interrogatório infundado durante meses”.
 
Ao ler em voz alta e embargada uma espécie de comunicado judicial, M.C.D. mostra que é a prova viva de um tempo em que ser reconhecido como homossexual ou transexual era um perigo na Espanha. Como exemplo, se lembra de que, em seu círculo de amizades, “duas pessoas receberam choques” como forma de tratar o “desvio de comportamento”. Outros sofreram ainda mais, como três conhecidos - “um estudante, um professor, que era um dos meus melhores amigos, e um bombeiro” -, que acabaram se suicidando. - Se cada um de nós conhecer cinco pessoas [que tenham sofrido com a repressão do regime], imagine como era viver naquela época - sugeriu M.C.D.
 
Algumas informações úteis constam na sentença do juiz “de Instrução, Periculosidade e Reabilitação Social” da província em que vivia, antes de ser presa. Trata-se de um documento de apenas duas folhas, o bastante para ilustrar como a homofobia da época era capaz de arruinar vidas. M.C.D., “filha de uma família honrada”, apresenta “uma clara orientação homossexual, mantendo relações vulgares com outra jovem a qual domina, persegue e atrai (uma vítima da pervertida)”, diz o documento. Além disso, a moça é “uma pessoa que se rebela contra seus familiares, que os desobedece e ameaça” quando “tentam corrigi-la e educá-la”.
 
Ambos os crimes (ser homossexual e desobedecer à família) eram igualmente graves para um sistema em que a maioridade correspondia aos 21 anos, conceito imposto relutantemente às mulheres. Por isso, o juiz não tinha dúvidas de que M.C.D. “é uma homossexual, que se rebela contra sua família e que se encontra em estado perigoso”. Por isso, ela podia ser submetida à lei de Periculosidade Social, de 1970, e condenada à “reclusão em estabelecimento de reeducação por um tempo não inferior a quatro meses nem superior a três anos”. Também lhe foi proibido, por dois anos, comparecer a “salas de festas e estabelecimentos públicos onde haja consumo de bebidas alcoólicas”. Ao advogado da moça, obviamente, não foi dada nenhuma oportunidade de defesa.
 
A lembrança é dolorosa para M.C.D. No entanto, ela se recorda de sua “reeducação” com bom humor.
 
- Era uma cela normal [na prisão de Alcázar de San Juan, província de Ciudad Real, onde ficou quatro meses]. Não havia reeducação alguma. Bom, eramos obrigadas a fazer trabalhos manuais, como costura. Claro que eramos muito mal pagas. Alguém deve ter lucrado às nossas custas - contou.
 
É óbvio que o “esforço reeducador” foi um fracasso. Alguns de seus amigos se casaram para fugir do preconceito, mas esse não é o caso de M.C.D. Cabe à Comissão de Indenizações a Ex-Presos Sociais - órgão colegiado que integra o Ministério da Economia e Fazenda - avaliar seu pedido de indenização.

Nenhum comentário:

Postar um comentário