quarta-feira, 18 de abril de 2012

Transexual Titica rouba a cena do kuduro em Angola



Visto na BBC Brasil
Por Louise Redvers/ BBC News em Luanda 

Ela é ousada, brilhante, bonita e está roubando a cena em Angola. Nada mal para uma transexual em um país africano católico onde a homossexualidade é ilegal e passível de punição com trabalhos forçados.

Nascida em Luanda como Teca Miguel Garcia, a cantora e dançarina Titica adotou sua persona feminina há quatro anos, quando implantou seios no Brasil.

Agora, aos 25 anos de idade, Titica é a nova face do kuduro, gênero angolano que mistura rap, música eletrônica e ritmos locais. De dia, as canções de Titica são ouvidas em todos os miniônibus; à noite, tomam as pistas de dança e, nos finais de semana, são trilha essencial das festas infantis.

Nomeada Melhor Artista de Kuduro de 2011, Titica é atração certa em programas de rádio e TV, e se apresentou no Concerto das Divas, evento anual que contou com a presença do presidente José Eduardo dos Santos e no qual ela foi aclamada.

Com educação em balé, Titica se envolveu com o kuduro como dançarina de apoio de artistas populares como Noite e Dia, Própria Lixa e Puto Português.

Surpreendentemente tímida

Em outubro passado, lançou sua primeira canção, "Chão", uma das faixas mais tocadas da história do kuduro.


Este mês, a cantora embarca em sua primeira turnê internacional, com shows em Portugal, Grã Bretanha e Estados Unidos.

Em conversa com a BBC enquanto se maquiava para a gravação do videoclipe do hit "Olha o Boneco", no qual divide a performance com a popular cantora de kizomba Ary, Titica afirma que foi atropelada pelo sucesso.

"Graças a Deus, estou muito feliz, levou um tempo para eu chegar onde cheguei e muito sacrifício, mas graças a Deus tudo está indo bem", disse.


Surpreendentemente tímida para uma extravagante e ousada artista, Titica evita falar de sua sexualidade e diz que até se tornar uma estrela nem tudo foi um mar de rosas.

"Fui apedrejada, espancada e há muito preconceito contra mim, muita gente mostra isso. Há um enorme tabu", afirma.

Apesar do tabu, Titica vem acumulando fãs e despertado mais interesse por sua música do que por sua sexualidade.

"Eu gosto da Titica, realmente gosto. Muitos dizem que ela é uma garota, outros, que é um garoto, realmente não sei, mas a gente apenas gosta da música dela", disse um rapaz que assistia à gravação do videoclipe na praia da Ilha.

'Antes ela era homem'

Um amigo dele acrescentou: "Antes ela era homem, mas, agora, pelo que dizem, ela é mulher. Angolanos podem discriminar bastante mas, não, nós a apoiamos e gostamos muito dela, e gostamos muito do trabalho que ela faz".

O diretor angolano Hugo Salvaterra, que esteve envolvido em um documentário sobre kuduro para a TV sueca, afirmou que Titica é uma artista da música antes de ser uma transexual.

"Titica é talentosa, está fazendo boa música e tem um show fantástico, razões pelas quais as pessoas gostam dela". Salvaterra afirma, porém, que embora a aceitação a Titica tenha crescido com sua música, ainda há resistências de setores da sociedade. Afinal, Angola é uma país religioso e a maioria dos cidadãos é católica.

"Temos que separar o Estado do povo", afirma, explicando que a independência de Portugal, em 1975, e 27 anos de guerra civil fizeram dos angolanos mais abertos a novas ideias.

É difícil imaginar, no entanto, que Titica será bem-vinda em outros países africanos como Uganda, Nigéria, Malauí, Quênia e Camarões, onde homossexuais são regularmente vitimas de intolerância, violência e ações penais.

Embora o homossexualismo seja ilegal em Angola, não há registros de condenações e uma nova lei criminalizando a homofobia está inclusive para ser aprovada no Parlamento.

Isso talvez explique o fato de Titica ser aparentemente bem recebida em Luanda, que possui uma pequena cena gay. Mas ainda há resistência não declarada e o país está longe de ser um destino gay tropical.

De acordo com Nana Frimong, ex-diretora da organização de saúde Population Services International (PSI),que pesquisou a incidência de Aids entre os gays angolanos, ainda há grande desaprovação à homossexualidade.

"Não há incidentes de violência homofóbica, mas não diria que as pessoas são totalmente OK em relação à homossexualidade". Segundo Frimong, o governo permanece calado sobre o tema.

Apesar da política, não há dúvida de que Titica ganhou um lugar no coração do país.

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