Uma noite fui assistir o musical “A gaiola das loucas”, com Miguel Falabella, Diogo Vilela e grande elenco. A história tem mais de 30 anos e eu já tinha assistido ao filme há muitos anos. O espetáculo, apesar de muito longo (cerca de 3 horas), é bem divertido.
O tema envolve personagens gays e transgenêros com os protagonistas Georges (Falabella) e Zazá ( Diogo), excepcionalmente bem no papel de uma travesti que é estrela do show da boate Gaiola das Loucas do casal. Para a minha surpresa, já que não lembrava do roteiro do filme, o texto é politicamente correto quando aborda as minorias e faz sucesso com uma platéia bem diversificada, aparentemente com predominância hetero.
Durante o espetáculo, em vários momentos o elenco é aplaudido em cena aberta, especialmente nas partes mais engraçadas. Seja como for, é interessante constatar que mesmo um texto da década de 70 (o filme franco-italiano é de 1978 e foi adaptado da peça homônima de 1973) e com um casal homossexual como protagonista, ainda é atual quando afirma que “sou o que sou” e ninguém tem nada com isso.
Com direção do mesmo Falabella, estreia esta semana no Teatro Procópio Ferreira em São Paulo a peça “Mais respeito que sou tua mãe”, com a talentosa atriz e comediante Claudia Jimenez. Acompanho a carreira desta atriz, que considero uma das melhores comediantes brasileiras, desde 1992 quando assisti no Rio de Janeiro o espetáculo Como encher um biquíni selvagem. A fórmula e parceria Claudia & Miguel é infalível e sempre resulta em espetáculos cômicos magistrais.
Claudia tem 52 anos, portanto é da minha geração, tem carreira longa e consolidada como atriz. Já passou por momentos bem delicados de saúde e felizmente conseguiu superar com muita força e determinação todos eles.
A Folha de S. Paulo de domingo (13) fez uma longa reportagem com a atriz, que em determinado momento faz referência ao seu sentimento de rejeição. “Não tinha sensualidade, era muito mais gorda do que sou hoje. Não tinha forma nem vaidade. Achava que não tinha cacife para seduzir um homem. Como tinha de ser amada, me joguei nas mulheres”, disse.
Ops! Terrível e inconveniente a frase da atriz que dá a entender que lésbica é lésbica porque não consegue atrair os homens. Quem é homossexual, como eu, já ouviu inúmeras vezes de alguns machões que “faltou aquela pegada” ou “não te comeram devidamente” e outras baboseiras que amparam a tese de que as sapas sofreram imprevistos irreversíveis que as impediram de ser fêmeas de verdade. Quanta bobagem! Só falta recomendar o estupro corretivo, ocorrido recentemente com uma lésbica sul-africana, que foi espancada e estuprada para “aprender a gostar do sexo oposto”.
Li uma frase muito boa outro dia, do Contardo Caligaris, que dizia: “nada torna a vida interessante tanto quanto a descoberta de nossa própria complexidade”. Isso me fez lembrar a famigerada homofobia interiorizada. Vou explicar rapidamente. A homofobia é introjetada na mente dos próprios homossexuais dentre outras razões graças a séculos de preconceito. Os gays e as lésbicas não estão imunes a sentimentos homofóbicos e na sua grande maioria crescem em um ambiente que desenvolve abertamente sua hostilidade antihomossexual.
Agora tem a tal da falta de autoestima que embaralha a mente das pessoas e acaba colaborando e muito com essa interiorização do preconceito. Vem acompanhada do medo, da culpa e pode acabar em fatalidades, inclusive suicídio.
A falta de clareza para abordar o assunto, os termos equivocadamente usados por muitos/as expressam formas erradas de encarar a homossexualidade, mesmo vindo da boca de uma lésbica. Claudia, ninguém “se joga nas mulheres” porque não é amada pelos homens, senão o nosso time seria infinitamente maior. Quantas são as mulheres que se sentem mal amadas pelos homens? Elas continuam hetero mesmo assim, e fazem filmes como O diário de Bridget Jones e séries como Sex and the city.
Portanto, afirmar que mulheres sem vaidade, gordas, carentes e sem sex appeal são lésbicas por conta disso é falta de examinar melhor a questão. Ótima atriz e comediante você é, mas falta entender direito o que vai dentro de você.
* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.
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