quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"O beijo gay na TV" Por WALCYR CARRASCO



Por WALCYR CARRASCO para o site da Revista Época

A autora Glória Perez foi pioneira. Em 2005, tentou mostrar um beijo entre dois homens na novela América, da TV Globo. Chegou a ser gravado, mas não foi exibido. Desde então, novelistas, diretores, atores são constantemente interrogados sobre o tema. A favor ou contra? Já houve um beijo entre duas mulheres na novela Amor e revolução, do SBT, no ano passado. Sem repercussão nenhuma. Mas o que se quer realmente saber é se a Globo, emissora de maior audiência no país, ousará exibir o beijo. De acordo com a reação do entrevistado, explode um tiroteio. O último baleado pelas organizações de defesa dos direitos homossexuais foi o ator Marcelo Serrado. Em entrevista a um jornal paulistano, ele declarou não ser propriamente contra. Mas a favor da exibição em horário tardio, para que crianças como sua filha, de 7 anos, não assistam. Mexeu num vespeiro. Diante do bombardeio no Twitter, telefonei para Serrado. Escrevi no meu blog a respeito, em epoca.com.br. A mim, ele afirmou viver longe do preconceito, pois tem muitos amigos gays, que inclusive o ajudaram na composição de Crô, o mordomo afetado que interpreta na novela das 21 horas, Fina estampa. A perspectiva de Serrado para muitos pode soar preconceituosa. Mas é a do cidadão comum. Ouço constantemente esse tipo de argumento. Recentemente, um fotógrafo estava em minha casa e comentou de forma idêntica ao ator: – E se minha filha visse?



Não conversei diretamente com nenhum alto diretor da emissora. Acredito que o motivo pelo qual o beijo gay ainda não foi exibido é por não fazer parte do cotidiano da população. A televisão entra na casa das pessoas, participa de sua intimidade. Ninguém espera deparar com um casal homoafetivo aos beijos em restaurantes, cinemas ou ruas. Os lugares onde isso acontece são estigmatizados e tratados como bolsões rotulados como territórios gays. É o caso da praia na Rua Farme de Amoedo, em Ipanema, no Rio de Janeiro, e do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, ao qual muitos se referem como “Gay Caneca”. A preocupação da emissora é, obviamente, sofrer rejeição semelhante à de um restaurante onde as famílias deparassem com beijos gays quando fossem comer uma macarronada com seus filhos.


A lei brasileira não criminaliza o beijo gay. “A união estável entre parceiros do mesmo sexo é reconhecida no país, e para alguns juízes equiparada ao casamento. Isso implica que os casais do mesmo sexo tenham direito a demonstrações afetivas”, afirma o advogado paulista Alfredo Migliore, de 33 anos. Uma lei mais dura, que criminaliza a homofobia, está parada no Senado. É um caso raríssimo em que a lei está à frente da realidade. O próprio Ministério da Justiça, responsável pela classificação indicativa e pelo monitoramento dos programas de televisão, já deu sinal verde para a exibição do beijo gay. E isso ouvi pessoalmente.


– Por que uma criança não pode assistir a beijos gays e sim a héteros, fartamente exibidos em todas as novelas? – pergunta um militante da causa GLBT.


A questão é complexa. Os grupos homossexuais ambicionam que a televisão promova a abertura de costumes, de cima para baixo. Não é assim que acontecem, historicamente, as transformações sociais e políticas. Elas começam de baixo para cima, em movimentos intensos. Um ativista argumentou que as paradas gays, em todo o país, são maiores que as antigas manifestações pelas Diretas Já. Mas as paradas, como já afirmei, são mais semelhantes a micaretas. Eventos festivos e isolados não promovem revoluções. Assim como não se incorporam ao cotidiano as liberdades vividas pelos homossexuais nos bolsões onde foram plantadas as bandeiras do arco-íris. Não tenho dúvida de que, se os gays se beijassem publicamente, onde quer que fosse, as novelas já mostrariam isso, porque seria um comportamento incorporado à realidade da população.


Tenho certeza de que a exibição de um beijo gay numa novela global está para acontecer. Séries americanas como Glee, Bones e House, destinadas ao grande público, já mostraram beijos gays. E o mundo não caiu por causa disso. No Brasil, não é mais questão de “se”, mas de “quando”. É esperar para ver. Mas não acredito que um beijo no horário nobre vai por si só promover a aceitação. Isso só acontecerá quando os gays incorporarem os direitos já conquistados e, apesar das eventuais agressões, incorporarem as demonstrações afetivas no cotidiano.

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