O professor da Fundação Getulio Vargas e da Pontifícia Universidade Católica, Hélio Arthur Reis Irigaray, acaba de concluir um estudo sobre a homofobia no ambiente de trabalho. Ele é autor de uma tese de doutorado sobre o tema e diz que a cultura machista é um traço profundo da identidade nacional.
Desde o início do ano, o debate público a respeito de direitos de homossexuais tem sido intenso. Se, por um lado, houve um avanço importante no reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, também foram vistas, nos últimos meses, manifestações de ódio, que vão de linchamentos a declarações condenáveis de políticos. Essa mesma dinâmica da sociedade, segundo o professor, é reproduzida no ambiente de trabalho. Nas empresas, a homofobia é um assunto proibido, mesmo em lugares que promovem a diversidade.
Na entrevista a seguir, Arthur Irigaray mostra que ainda há muito a avançar.
Como a homossexualidade é tratada no ambiente corporativo?
As organizações têm um discurso certinho, de responsabilidade social e de inclusão de minorias. Mas, ao ouvir um homossexual descrever a vida corporativa, tudo muda de figura. Até hoje existem casos de gays agredidos fisicamente no trabalho, mesmo em corporações com política de diversidade. o homem branco heterossexual tem muito mais facilidade para progredir na carreira do que o gay.
No caso de homens homossexuais, eles são bem aceitos quando são cabeleireiros, comissários de bordo, profissionais das artes, que são carreiras associadas às mulheres. Fora isso, os gays assumidos esbarram em tetos invisíveis. A dificuldade de crescimento profissional existe mesmo em companhias com políticas de inclusão estabelecidas.
As políticas de diversidade não são efetivas então?
Não são. A discriminação contra os homossexuais existe e está associada à discriminação sofrida por mulheres. Quando igualo um homem gay a uma mulher, é para dizer que ele é frágil, fofoqueiro, instável emocionalmente. Ao desqualificar gays, mulheres, negros e outras minorias, faz-se uma reserva de cargos na elite corporativa para homens brancos heterossexuais.
Eles se privilegiam da diminuição do número de competidores. Há o caso de um banco estrangeiro com políticas de inclusão no qual, para chegar a níveis gerenciais, é preciso ser expatriado. Uma das condições para morar fora do país é ser casado. Mas as regras conflitantes não são o pior: um suposto tipo de humor atrapalha a efetividade das políticas de diversidade no dia a dia.
Humor e preconceito andam juntos nesse caso?
Defender-se de um Jair Bolsonaro é fácil porque ele dá a cara a tapa. Mas e daqueles que contam piadinhas aparentemente inofensivas? Humor é um traço cultural muito forte no brasil. Homossexual é o engraçado, a bichinha, a histérica, ou seja, não pode ser gerente. Afinal, pelo senso comum, um bom gestor é aquele capaz de tomar decisão, detentor de voz de comando, duro, inflexível. Se o gay é pintado nas piadas como tudo menos isso, está fora do jogo.
É mais difícil defender-se nesse caso. Se ele revidar, dizem que não tem senso de humor. Por mais que as empresas sejam contra as piadas, fazem vista grossa. a hipocrisia do ambiente corporativo é reflexo da existente na sociedade. o problema é o gay assumido. Vida dupla pode. A executiva pode estar sozinha; para todos os efeitos, abriu mão do pessoal pela carreira. O executivo tem de ter esposa. Acho que isso mudará com as novas gerações.
O machismo do brasileiro é o responsável por essas situações?
Ameaçar a masculinidade do machão brasileiro é complicado, mexer na formação cultural de um povo é difícil mesmo. O preconceito aqui é dos homens e das mulheres. Elas também têm resistência.
Muitas empresas, porém, têm políticas de inclusão de minorias. Por que elas investem nisso?
Por interesse em resultados melhores, por necessidade de imagem pública positiva ou por pressão da lei. A inclusão dos deficientes, por exemplo, se deu porque a lei obriga.
Como um hétero deve agir com um gay no ambiente de trabalho para torná-lo harmonioso?
Não se deve vitimizar os homossexuais nem dar regalias a eles. A proteção deve existir apenas para não permitir ataques. Se a empresa fizer vista grossa para discriminações pontuais, pode haver repetições, e assim caracterizasse o assédio moral. Hoje, qualquer telefone grava. O que se coloca em email e em rede social é público.
Se o funcionário catalogar a “perseguição”, a empresa será responsabilizada pela Justiça. O empregador tem de garantir o bem-estar físico e psicológico no ambiente de trabalho. Os gestores que observam situações de preconceito têm de educar os subordinados, mas as sanções também precisam existir. É esse o caminho para as políticas de inclusão de minorias saírem do discurso para a prática no dia a dia.
Os gays se sentem respaldados para denunciar injustiças?
Os gays não denunciam, geralmente, por medo e por constrangimento. Mesmo nos dias de hoje é muito difícil se expor. Afinal, a homossexualidade tem um passado ligado a pecado, doença e crime. E, ainda que se crie coragem para ultrapassar essas barreiras, há o medo de impunidade e de retaliação.
Conheço o caso de uma funcionária que denunciou o chefe por assédio sexual à empresa, e ela foi demitida. A companhia alegou que a moça deu motivo porque usava vestidos decotados. O mesmo risco de a vítima ser prejudicada existe com os gays.
“Se a empresa fizer vista grossa para discriminações, pode caracterizar-se o assédio moral. Hoje, qualquer telefone grava”
Homossexual discrimina?
Sim. Certa vez entrevistei um executivo, gay assumido, vice-presidente de um grande banco, para um trabalho acadêmico. A homossexualidade não foi empecilho para a carreira. Quando perguntei se ele militava por seus direitos e se ia à Parada Gay, respondeu: “Eu? Parada? O que tenho a ver com aquela gente feia, desdentada e pobre?”.
Avanços conquistados pelos gays, como a união estável, vão se refletir na organização?
Tudo muda, mas leva tempo. As mulheres tiveram de batalhar para conquistar seu espaço no mercado, sair de casa e poder trabalhar.
Fonte: Exame
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